Deveria ser uma visita no armazém logístico pra conhecer o novo software de gestão. A expectativa estava alta, a ideia era fazer um bom benchmarking e aprender uma boa prática nova. Pelo menos era o que havia combinado com a diretoria do operador logístico.
O diretor além de um amigo pessoal (usarei o nome fictício Alberto, pra não expor a empresa onde ele está hoje) é um cara genial. Trabalhamos juntos em tempos de consultoria onde vivemos boas experiências. O mercado de serviços logísticos sempre nos foi curioso com suas tendências e “maluquices”:
Leis que não pegam, modal rodoviário sucateado, impostos inexplicáveis; bitributações, portos ineficientes, sazonalidades curiosas, startups unicórnios, pejotização de autônomos, estadias estilo hotel, motoristas malandros, clientes sem empatia, embarcadores que exploram, transportadoras amadoras e outras tantas particularidades que só quem é do ramo sabe a dor de cabeça que é…
A empresa do Alberto é um operador logístico bastante expressivo, com sede em São Paulo e filiais em boa parte das capitais. Trata-se de um 3PL: Operador Logístico com know-how especializado em executar serviços dentro do segmento logístico, como: armazenagem, gestão de estoques, agenciamento alfandegário, logística de distribuição, transporte, customer service, entre outros.
Chegamos a empresa e fomos logo ao Gemba (local onde as coisas acontecem). Pelo caminho vi algumas televisões. Ele explicou que a ideia era propiciar gestão à vista e online do que estava acontecendo na operação: um dashboard com muitos números
Adorei. Sou tarado por números. Nunca me sai da cabeça a máxima de gestão do Deming:
“Não se gerencia o que não se mede,
não se mede o que não se define,
não se define o que não se entende,
e não há sucesso no que não se gerencia”(William Edwards Deming)
Pedi pra que me explicassem o funcionamento e o Alberto chamou o consultor (vendedor e implantador do novo software) que iniciou a explicação do funcionamento da tecnologia e seus benefícios:
— Veja bem! O processo de armazenagem, picking, packing, carregamento de caminhões e a entrega urbana propriamente dita, é bastante complexo. Por esse motivo nosso sistema busca integrar toda a cadeia logística, desde o corte de pedidos, trazendo a otimização, controle e transparência necessária pra dar suporte a tomada de decisão.
Tive que interrompê-lo. Mas antes pedi perdão pela deselegância, eu só queria dizer que eu era da área logística e que entendia sua complexidade. E que ele fosse direto as funcionalidades primárias do sistema e no que ele ajudaria a operação a ser mais rápida, eficiente, assertiva e mais barata.
— Então vamos ao funcionamento, disse ele com o notebook conectado a principal televisão. Nessa coluna temos o volume vendido, nessa outra consta os SKU’s em estoque. Na hora de realizar o corte, o sistema cruza e informa se haverá ruptura.
— Naquela televisão tem o nome de cada separador e qual pedido ele tá separando, isso garante que o mesmo pedido não saia pra separar duas vezes. O sistema também faz a composição da carga apontando o veículo que deve ser contratado contemplando peso e cubagem. E nessa linha, e nessa, na outra etc… E assim, ele foi explicando um monte de funcionalidades e potenciais do sistema.
— O que achou da tecnologia? Perguntou o Alberto.
Respondi. — Muito legal. Parece ser uma solução bastante completa (e parecia mesmo).
Tenho duas perguntas apenas:
- Qual foi o aumento de eficiência?
- Quais as etapas foram reduzidas do processo?
- E quanto foi a redução dos custos dentro e fora do armazém?
E assim como você pensou, ele disse: — Ah, Achiles; mas aí tu fez três perguntas. Arrancando risos de todos em volta.
E então respondeu:
— Estamos diante de algo novo pra operação; são menos de seis meses e ainda está em teste. Está um pouco bagunçado, visto que o time operacional e a liderança estão se acostumando com o novo modelo de trabalho ainda.
— Você enxerga alguma oportunidade?
Ele não deveria ter perguntado. Afinal, o ser humano gosta de dar pitaco no trabalho dos outros. Criticar então… É coisa fácil.
Por isso pensei bem na resposta e, como a equipe operacional estava junto, pedi pra continuarmos a conversa na sala.
Alberto que não tem muito perfil de quem coloca panos quentes em nada, disse:
— Vamos falar aqui mesmo. Quem sabe, você que vem de fora não veja algo que nós, que estamos na operação, não conseguimos ver. E outra; só está aqui nessa roda os líderes da operação e o pessoal da consultoria.
Bom, como Eu e o Alberto somos amigos, e, ele perguntou não é… Vamos lá!
— Quase seis meses? Ual! Quem tem tanto tempo pra ajustar uma operação em tempos onde logística é o novo marketing?! Talvez minha noção de tempo esteja equivocada, mas os problemas com o comercial devem estar pipocando, não estão?!
Enfim. Entendi os conceitos, mas senti muita falta dos processos e do planejamento. Porém antes de continuar a análise; uma quarta pergunta. Já que as outras três não foram respondidas, acho que tenho direito.
Agora eu arranquei risos de todos.
— Foi feito um AS IS (como era antes)? Um TO BE (como ficaria) e um business case dizendo quais seriam os ganhos e em quanto tempo aconteceria o retorno sobre o investimento?
— Pra ajudar a operação, foram criadas IT’s (instruções técnicas) para nortear o trabalho de todos? E mais importante: os riscos e tempos de adaptação foram divididos com todos os clientes para que estivessem cientes das possíveis falhas?
Depois de comentarem de novo que a quarta pergunta foram outras quatro perguntas (neste momento os risos não acontecerem, não sei porque) a resposta foi:
— não; não fizemos.
— Deveriam ter feito, respondi.
Pois um planejamento, mesmo simples; é melhor que nenhum planejamento. Esse, tem a função de garantir melhor acuracidade do projeto, visto que, ao documentar passado, presente e futuro, se estabelece onde se quer, e é possível chegar. Minha sugestão é que seja feito.
É obvio que tecnologia nunca foi tão vital pra uma operação logística de sucesso, contudo, sem processos bem definidos, escritos e operacionalizados. Pessoas informadas, envolvidas e comprometidas; a tecnologia tende a falhar.
TECNOLOGIA SEM PROCESSOS BEM DEFINIDOS E PESSOAS ENVOLVIDAS, NÃO DARÁ CERTO
Qualquer empresa pode contratar a melhor e mais fina tecnologia existente, mas, se não estabelecer processos e fases claras, convencendo as pessoas sobre os ganhos financeiros e de tempo, os riscos existentes no caminho e quais serão as oportunidades e vantagens, inclusive pra elas e não somente para a empresa, a tecnologia é rejeitada.
Gente tem duvidas, desconfianças e medos. Se a nova promessa tecnológica ameaçar tirar empregos; esquece.
É preciso fazer gestão também da mudança.
Voltando ao operador logístico, nosso bate papo caminhou na seguinte direção: antes de aplicar a tecnologia, modificar o processo e falar em maximizar eficiência e reduzir custos, faz-se necessário fazer alguns checks:
- Envolveram o time comercial para que saibam que deverão verificar o estoque antes de lançar o pedido? Claro, pois se o sistema cruza Pedido x Estoque antes do corte pra verificar ruptura, isso significa que o pedido pode mudar, ficar menor ou mesmo inviável; visto que o Drop size pode cair drasticamente.
- Quanto aos separadores, qual a meta dia por separador? Quantas toneladas, caixas ou SKU’s em média cada homem separava e quanto será agora? Pra fazer um pedido, qual o tempo médio o separador levava antes quanto deve ser agora? Ouve um redesenho das posições do CD com curva ABC contemplando os mais vendidos na curva A e talls?
- Pra que o sistema monte a carga ideal, o pool de veículos já contratado, foram previamente cadastrados no sistema? Se o sistema faz a montagem da carga e depois diz que veículo contratar, isso é legal pra montar o perfil de veículo ideal pra entrega, no entanto o que vai acabar carregando é aquele da transportadora contratada. Pensando em planejamento para as próximas contratações ou renovação da frota essa ação faz sentido, mas e para a operação de hoje? Tem que pensar.
- Outra coisa importantíssima, o frete é a parcela mais cara da logística, podendo levar até 2/3 de todo o custo. Ao realizar a montagem das cargas e ocupação dos veículos transportadores, é cruzada a informação se ele tem reentrega que voltou de ontem? Existem devoluções mapeadas por um time de Call Center? Se sim, o time comercial já foi informado?
Depois de um silêncio ensurdecedor de alguns segundos o consultor nos convidou para um bate papo na sala do diretor. Lá fizemos um lindo mapeamento de fases que foram esquecidas, mas que seriam retomadas.
Muitas lições podem ser aprendidas nesse case. Talvez a mais importante delas seja: nunca subestime a importância da promoção de um projeto junto as pessoas impactadas, o redesenho dos processos e só então a implementação da tecnologia.
Até a próxima!
Achiles Rodrigues